Calem a boca, nordestinos!
Por José Barbosa Junior
A eleição de Dilma Rousseff trouxe à tona, entre muitas outras coisas,
o que há de pior no Brasil em relação aos preconceitos. Sejam eles
religiosos, partidários, regionais, foram lançados à luz de maneira
violenta, sádica e contraditória.
Já escrevi sobre os preconceitos religiosos em outros textos e a cada
dia me envergonho mais do povo que se diz evangélico (do qual faço
parte) e dos pilantras profissionais de púlpito, como Silas Malafaia,
Renê Terra Nova e outros, que se venderam de forma absurda aos seus
candidatos. E que fique bem claro: não os cito por terem apoiado o
Serra… outros pastores se venderam vergonhosamente para apoiarem a
candidata petista. A luta pelo poder ainda é a maior no meio do
baixo-evangelicismo brasileiro.
Mas o que me motivou a escrever este texto foi a celeuma causada na
internet, que extrapolou a rede mundial de computadores, pelas
declarações da paulista, estudante de Direito, Mayara Petruso,
alavancada por uma declaração no twitter: “Nordestino não é gente.
Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!”.
Infelizmente, Mayara não foi a única. Vários outros “brasileiros”
também passaram a agredir os nordestinos, revoltados com o resultado
final das eleições, que elegeu a primeira mulher presidentE ou
presidentA (sim, fui corrigido por muitos e convencido pelos “amigos”
Houaiss e Aurélio) do nosso país.
E fiquei a pensar nas verdades ditas por estes jovens, tão emocionados
em suas declarações contra os nordestinos. Eles têm razão!
Os nordestinos devem ficar quietos! Cale a boca, povo do Nordeste!
Que coisas boas vocês têm pra oferecer ao resto do país?
Ou vocês pensam que são os bons só porque deram à literatura
brasileira nomes como o do alagoano Graciliano Ramos, dos paraibanos
José Lins do Rego e Ariano Suassuna, dos pernambucanos João Cabral de
Melo Neto e Manuel Bandeira, ou então dos cearenses José de Alencar e
a maravilhosa Rachel de Queiroz?
Só porque o Maranhão nos deu Gonçalves Dias, Aluisio Azevedo, Arthur
Azevedo, Ferreira Gullar, José Louzeiro e Josué Montello, e o Ceará
nos presenteou com José de Alencar e Patativa do Assaré e a Bahia em
seus encantos nos deu como herança Jorge Amado, vocês pensam que podem
tudo?
Isso sem falar no humor brasileiro, de quem sugamos de vocês os
talentos do genial Chico Anysio, do eterno trapalhão Renato Aragão,
de Tom Cavalcante e até mesmo do palhaço Tiririca, que foi eleito o
deputado federal mais votado pelos… pasmem… PAULISTAS!!!
E já que está na moda o cinema brasileiro, ainda poderia falar de
atores como os cearenses José Wilker, Luiza Tomé, Milton Moraes e
Emiliano Queiróz, o inesquecível Dirceu Borboleta, ou ainda do
paraibano José Dumont ou de Marco Nanini, pernambucano.
Ah! E ainda os baianos Lázaro Ramos e Wagner Moura, que será
eternizado pelo “carioca” Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, 1 e
2.
Música? Não, vocês nordestinos não poderiam ter coisa boa a nos
oferecer, povo analfabeto e sem cultura…
Ou pensam que teremos que aceitar vocês por causa da aterradora
simplicidade e majestade de Luiz Gonzaga, o rei do baião? Ou das
lindas canções de Nando Cordel e dos seus conterrâneos pernambucanos
Alceu Valença, Dominguinhos, Geraldo Azevedo e Lenine? Isso sem falar
nos paraibanos Zé e Elba Ramalho e do cearense Fagner…
E Não poderia deixar de lembrar também da genial família Caymmi e suas
melofias doces e baianas a embalar dias e noites repletas de poesia…
Ah! Nordestinos…
Além de tudo isso, vocês ainda resistiram à escravatura? E foi daí que
nasceu o mais famoso quilombo, símbolo da resistência dos negros á
força opressora do branco que sabe o que é melhor para o nosso país?
Por que vocês foram nos dar Zumbi dos Palmares? Só para marcar mais um
ponto na sofrida e linda história do seu povo?
Um conselho, pobres nordestinos. Vocês deveriam aprender conosco, povo
civilizado do sul e sudeste do Brasil. Nós, sim, temos coisas boas a
lhes ensinar.
Por que não aprendem conosco os batidões do funk carioca? Deveriam
aprender e ver as suas meninas dançarem até o chão, sendo
carinhosamente chamadas de “cachorras”. Além disso, deveriam aprender
também muito da poesia estética e musical de Tati Quebra-Barraco,
Latino e Kelly Key. Sim, porque melhor que a asa branca bater asas e
voar, é ter festa no apê e rolar bundalelê!
Por que não aprendem do pagode gostoso de Netinho de Paula? E ainda
poderiam levar suas meninas para “um dia de princesa” (se não
apanharem no caminho)! Ou então o rock melódico e poético de Supla!
Vocês adorariam!!!
Mas se não quiserem, podemos pedir ao pessoal aqui do lado, do Mato
Grosso do Sul, que lhes exporte o sertanejo universitário… coisa da
melhor qualidade!
Ah! E sem falar numa coisa que vocês tem que aprender conosco, povo
civilizado, branco e intelectualizado: explorar bem o trabalho
infantil! Vocês não sabem, mas na verdade não está em jogo se é ou não
trabalho infantil (isso pouco vale pra justiça), o que importa mesmo é
o QUANTO esse trabalho infantil vai render. Ou vocês não perceberam
ainda que suas crianças não podem trabalhar nas plantações, nas roças,
etc. porque isso as afasta da escola e é um trabalho horroroso e sujo,
mas na verdade, é porque ganha pouco. Bom mesmo é a menina deixar de
estudar pra ser modelo e sustentar os pais, ou ser atriz mirim ou
cantora e ter a sua vida totalmente modificada, mesmo que não tenha
estrutura psicológica pra isso… mas o que importa mesmo é que vão
encher o bolso e nunca precisarão de Bolsa-família, daí, é fácil
criticar quem precisa!
Minha mensagem então é essa: – Calem a boca, nordestinos!
Calem a boca, porque vocês não precisam se rebaixar e tentar responder
a tantos absurdos de gente que não entende o que é, mesmo sendo
abandonado por tantos anos pelo próprio país, vocês tirarem tanta
beleza e poesia das mãos calejadas e das peles ressecadas de sol a
sol.
Calem a boca, e deixem quem não tem nada pra dizer jogar suas palavras
ao vento. Não deixem que isso os tire de sua posição majestosa na
construção desse povo maravilhoso, de tantas cores, sotaques,
religiões e gentes.
Calem a boca, porque a história desse país responderá por si mesma a
importância e a contribuição que vocês nos legaram, seja na
literatura, na música, nas artes cênicas ou em quaisquer situações em
que a força do seu povo falou mais alto e fez valer a máxima do
escritor: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte!”
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